quarta-feira, 10 de março de 2010

. RockAntygona -Lionel Fischer


"RockAntygona"


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Ousada versão de obra-prima


Lionel Fischer


Antes de analisar o espetáculo em questão, estou optando por me deter em um texto que consta do belo programa criado por Victor Hugo Cecatto. Tal texto, ao que suponho de autoria de Guilherme Leme, diretor da montagem, expõe de forma pertinente as premissas que a nortearam. Mas o que me chamou a atenção foi o fato de algumas palavras (ou frases curtas)estarem impressas em corpo bem maior que as demais, umas em branco, outras em vermelho - e aqui excluo os sobrenomes de alguns filósofos e estudiosos citados. Seria apenas uma decisão inventiva do programador visual? Ou quem sabe uma forma de ressaltar os conteúdos mais significativos?

Pois bem: renunciando às frases, das palavras do grupo "branco" constam Intolerância (duas vezes), Reações, Rebeldes, Cortantes, Reiventadas, Incessante, Indefesa, Arbitrária, Abusiva, Inspiram, Crença, Arrebatou, Jornada, Relendo, Insatisfação, Enfrentamento, Tempo, Crie e Manifesto. Já as vermelhas destacam Mudanças, Guitarra, Insatisfação, Lei, Imposição, Desobedece, Inspirando e Rompimento.

Isto posto, e antes que se tenha a impressão de que estou pretendendo criar uma espécie de quebra-cabeça, um jogo de possíveis correspondências entre o branco e o vermelho, gostaria apenas de ressaltar que todos os termos enfatizados, ainda que encarados isoladamente, têm estreita ligação com a essência da tragédia - a suposta exceção ficaria por conta de "guitarra", mas esta se insere com total propriedade no espetáculo.

Inspirada na tragédia "Antígona", de Sófocles, "RockAntygona" acaba de entrar em cartaz no Espaço Sesc, com direção assinada por Guilherme Leme e elenco formado por Luis Melo (Creonte), Larissa Bracher (Antygona), Armando Babaiof (Hémon) e Marcelo H, aqui denominado Mídia Eletrônica, que desempenha a função do Narrador.

Por tratar-se de obra por demais conhecida, não creio ser necessário resumir seu enredo. O primoritário é tentar compreender as razões que levaram Guilherme Leme a fazer uma redução tão drástica desta obra-prima - aparecem em cena apenas a protagonista Antígona, seu tio e governante Creonte e um dos filhos deste, Hémon, noivo de Antígona.

Partindo do pressuposto de que tal decisão não tenha sido tomada em função de baratear a produção, só nos resta supor que Guilherme Leme objetivou, através de uma síntese tão radical, demonstrar que a essência do pensamento do autor poderia ser materializada desta forma. E talvez inserí-lo visceralmente na contemporaneidade, ao valer-se de uma trilha sonora eletrônica que prioriza a inquietude, a agressividade e a urgência, assim como a quase que total impossibilidade de entendimento que caracteriza as relações humanas.

Trata-se apenas de uma hipótese e, como tal, sujeita a todos os enganos. Mas se algo ao menos parecido com o que acabamos de expor passou pela cabeça do encenador, só nos resta parabenizá-lo, dada a excelência do resultado obtido. Impondo à cena uma dinâmica angustiante e claustrofóbica, e apoiado na excelente performance dos intérpretes, Guilherme Leme oferece ao público uma versão capaz de gerar alguma polêmica, mas jamais merecedora do rótulo de "modernosa". E quem assim a encarar, certamente é porque cultiva uma das muitas palavras acima destacadas, como, por exemplo, a Intolerância.

No complemento da ficha técnica, destacamos com grande entusiasmo a belíssima trilha sonora de Vulgue Tostoi (Marcelo H. e Jr Tostoi), que enfatiza de forma contundente e exasperante os múltiplos climas emocionais em jogo, tornando-se quase que um personagem. A mesma excelência se faz presente na cenografia de Aurora dos Campos e na iluminação de Tomás Ribas, sendo corretos os figurinos de Tatiana Brescia.

ROCKANTYGONA - Inspirado na tragédia "Antígona", de Sófocles. Concepção e direção de Guilherme Leme. Com Luis Melo, Larissa Bracher, Armando Babaiof e Marcelo H. Espaço Sesc. Quinta e domingo, 20h. Sexta e sábado, 21h30.

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