quarta-feira, 10 de março de 2010

RockAntygona- Macksen Luiz

RockAntygona: tragédia grega versão heavy metal

Macksen Luiz, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - Não se trata de adaptação reducionista da tragédia de Sófocles, mas de intervenção sonora e visual que torna o desafio de Antígona diante do poder discricionário, uma construção cênica de musicalidade atritante. O rock que se junta ao nome da filha de Édipo não é apenas um apelo de título, mas incorporação do desejo de contemporaneidade que ecoa por sonoridades para além do teatro. A força milenar do texto se mantém inalterada na condensação do trágico no camerístico, no enxugamento da ação no que se propõe como reflexos do exercício de poder.

É à volta dele que giram os atos de Creonte e de onde emana a desobediência e o determinismo de Antígona. Nesta contracena, que expõe as razões de estado, ou da baixa política, encobrindo o mando como valor que se justifica por sua própria manutenção, é a atitude transgressora das leis injustas que inicia o esfacelamento da autoridade personalista. Deste conflito, opondo Antígona, decidida a cumprir os preceitos de enterrar o corpo do irmão, a Creonte, que decreta que se proíba a realização do ritual, a versão de conserva a integralidade trágica, ainda que procure outras ressonâncias.

Com rigor e depuramento

A concepção do diretor Guilherme Leme se reveste de visualidade originada de instalações plásticas. A música preenche este espaço como complemento ambiental, ruído que capta dissonâncias e projeta o barulho das palavras. A presença de um DJ, que controla o som e também é narrador, atualiza o coro. A interpretação do elenco se integra a esse quadro de plasticidade impositiva como figuras hieráticas, traços firmes de mural reflexivo. O rigor é o elemento que ressalta na encenação de Guilherme Leme, transmitindo depurament o na arquitetura cênica de filigranado detalhamento. Apesar da abordagem formal ser predominante, o diretor não permite que se transforma em mero exibicionismo do bem executado ou em frieza ascética. O espetáculo instiga a reflexão e aquece a emoção através dos recursos plásticos e musicais, num geometrismo de meios, não de fim.

O cenário de Aurora dos Campos imprime horizontalidade à cena, estabelecendo profundidades, planos e transparências dramáticas de requintado impacto. A iluminação de Tomás Ribas valoriza a cenografia com luminosidade vigorosa de poética beleza. O figurino de Tatiana Brescia talvez pudesse ser menos conotado para os atores, especialmente para Creonte, mas o despojamento da túnica vermelha de Antígona contrasta bem com as cores escuras da ambientação. A trilha sonora original de Marcello H. e Jr. Tostoi pulsa ao ritmo dramático da batida heavy, interferência precisa na sua contundência. Marcelo H., que manipula a mesa de som e informa sobre o desenvolvimento das cenas, tira partido da projeção da voz e da trilha como mais um ator no palco.

Armando Babaioff, mesmo com a discutível apresentação coreográfica de Hémon, demonstra segurança e sutileza para expor as mudanças por que passa o filho frente a inflexibilidade do pai. Larissa Bracher tem, como Antígona, interpretação madura que dosa a obstinação moral com consciência de saber o que está reservado à personagem. A atriz, de maneira despojada e seca, confere dignidade à sua atuação. Luis Melo, um Creonte que em sua cena inicial adquire involuntário (mas pertinente) perfil de alguns dos nossos políticos, confirma a sua autoridade e densidade como intérprete, prejudicado em parte pela condensação da tragédia que não permite que a passagem da tirania ao declínio só seja possível para o ator vivê-lo como um tempo de registro momentâneo.

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