sábado, 6 de junho de 2009

. Eu que poderia ser eles - Aurora dos Campos


Já ela com mania de colecionar coisas dos outros, dos outros que já passaram.

A síntese do que ficou daqueles que já foram.

E que voltam a cada vez que ela abre o saco preto cheio de lixo rico.


 Norfolk, 26 de agosto de 1952.

Prezada nilcéia:

Há muito tempo penso em vocês com saudades e com intenção de fazer uma cartinha, porém como sou a secretaria do Nó, tenho sempre muita coisa a fazer e por isto fico em falta mesmo com os parentes e amigos queridos.

Naturalmente titia tem falado sobre nós, e vocês já estão mais ou menos ao par da nossa vida nos E.U.A...

Depois de muito viajar (o que aliás adorei) fomos mandados para cá. No princípio estranhei, mas agora já estou bem familiarizada com tudo e até falando inglês... 

A Sheila está muito gordinha, porém muito saudosa da Teté. Gosta mais do Brasil...

O Noisio está bem mais gordo, e com saúde graças a Deus.

Há uns 15 dias que está no mar; não é horrível? Já não suporto mais de saudades...

Tenho gostado daqui. A vida é facílima. A nossa casa é um amor, e tem todo conforto possível. É um prazer ir a cozinha, pois ela é linda! A peça mais importante de uma casa é esta.

Como vão vocês ai? E Princesa? Sempre com a lingüinha de fora? Quais as novidade do Rio? Hoje amanheci com "Home sick"...não deixa de ser triste estar longe do Brasil.

O comandante comprou um carro alinhadíssimo; é o segundo amor da vida dele... como recebe carinho o Chrysler!...

O frio já está se aproximando; infelizmente!

Domingo tivemos 12 graus... Pobres brasileiros..

Dizem que chega a fazer 25 graus abaixo de zero...

Talvez eu me transforme num gostoso "Ice cream".

Esta cidade é bem grande. Tem vários cinemas e um comércio formidável (é ai que fico tonta).

A base Naval é outra cidade de tão grande. O transito de  automóvel até impressiona de tão movimentado. Tem uns 8 ou 10 clubes, lojas, igrejas, correios, bares, cinemas, mercado etc, e tudo mais barato. Fica uns 10 ou 15 minutos de carro da nossa casa.

Norfolk tem boas praias. Uma bem alinhada que eles querem comparar com a nossa Copacabana; mas não é possível... Ela é maior, tem mais movimento, mas não tem beleza nem edifícios altos.

Bem Nilcéia vou terminar esperando que você me responda em seguida. Uma carta do Brasil é um verdadeiro prêmio pra mim. Um abraço no Ernani e para você muitas saudades da prima amiga.

Isis.

 

Hoje é dia 6 de agosto de 2008, ela está com quase 25 anos e mora com uma amiga da mesma idade. Está nublado no Rio, mas não faz calor e nem frio. Tem rádio com música clássica na sala, e lembranças de outras pessoas espalhadas pela casa. Ela anda descobrindo algumas coisas nesse ano que está morando sozinha, por exemplo: as comidas que elas mais compram é banana, granola e abobrinha. Curioso né?

Ela acabou de chegar de Norfolk, passou um tempo lá, talvez 15 minutos parece mais. Descobriu o carro Chrysler, que  já tinha visto em filmes. Gostou da parte da carta em que Ísis diz:"A nossa casa é um amor, e tem todo conforto possível. É um prazer ir a cozinha, pois ela é linda! A peça mais importante de uma casa é esta.." Isis parece muito próxima, mas foi a primeira vez que ela soube de sua existência e seu nome. Ela está fazendo Direção de arte de um comercial de cuscuz nordestino, e tem que montar uma cozinha que seja ambientada na década de 50, então deu para sentir um pouco do amor de Isis por sua cozinha e ela acha que isso vai ajudar.

Agora ela procura Norfolk no mapa, na internet, e pensa em Isis com um grande Atlas.

Acredita que Isis tenha em torno de 30 anos e que Sheila gordinha seja sua filha e Noisio, da marinha, seu marido. Pensa que eles vivem agora naquele tempo. Eles poderiam ser seus personagens, mas ela não quer criar nada além das informações da carta. 


* Achei essa carta junto com umas velharias que estavam na mesma casa onde conheci o cofre laranja (texto que está pubicado abaixo). Totalmente embriagada pela texto do Felipe, Ele precisa começar, escrevi esse texto falando um pouco dela (eu) e dela (ela) e de tantos outros "eles" que existiram em tantos momentos.

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