Não por acaso, Neil Labute é roteirista e diretor de cinema. Sua dramaturgia, em especial A forma das coisas, com cenas curtas e cortes abruptos, encontra semelhanças narrativas com a linguagem cinematográfica nesta versão perversa de um Pigmaleão jovem. Neste caso, uma universitária que empreende, em nome da construção de realidade artística, a manipulação de sentimentos daquele que se tornará a consubstanciação de sua obra. Ao esculpir o outro, transforma seu ato em performance do processo de criação, cinzelando formas exploratórias de seu objeto de investigação como definitiva meta que se justifica por si mesma. Sem brechas, apenas com um sussurro ironicamente alentador no fim, nada detém a criadora que deseja provar, com sua escultura pulsante, que a arte ultrapassa a vida da criatura, depositária de emoções amoldáveis, material passível de ser considerado arte, apesar da cruel arquitetura dos seus meios, ou exatamente por usar tal método para existir como obra.
Neil Labute flagra esse microcosmo de uso mútuo. A seqüência de quadros, que evoluem como projeções de imagens editadas com economia de recursos e diálogos que reproduzem a linguagem direta de um roteiro de cinema, reforça a ligação do autor com a tela. Essa proximidade facilita o ritmo da narrativa, que corre com dinâmica seca, mas internamente tensa, e que, em diversos momentos, parece conduzir o espectador por pistas enganosas.
Guilherme Leme foi sensível ao mecanismo desse encaixe, desenhando a montagem seguindo as regras do jogo do autor. O diretor reforça os traços da escrita, deixando-os evidentes, como reflexos da manipulação da personagem, enquadrando a cena com "secura".
A tradução fluente de Marcos Ribas de Faria e o cenário de Aurora dos Campos colaboram para a "limpeza" da encenação. A cenografia, que usa elementos geométricos, que se tornam esculturas, camas, sofás, e que acumula objetos a cada quadro, compondo a instalação do fim, é inventiva na simplicidade. A iluminação refinada de Maneco Quinderé e os figurinos de Sonia Soares e Tatiana Brescia, que vestem adequadamente o elenco, completam com a trilha de Marcello H. o bom acabamento da montagem.
O elenco tem interpretações cuidadosas, em sintonia fina com o despojamento geral, marcadas por movimentos interiores e contenção externa. Karla Dalvi não caracteriza demais a loura, mais ou menos certinha, que descobre o papel de coadjuvante desempenhado no jogo. André Cursino transmite tanto a ambigüidade quanto a rudeza do amigo cheio de arestas. Carol Portes segura com firmeza a artista manipuladora. Pedro Osório se destaca como o tímido que é submetido ao projeto da namorada, com atuação inteligente e requintada.
(crítica publicada no Jornal do Brasil em 08 de junho de 2008)
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